segunda-feira, 16 de março de 2009

O ÓBVIO


Levei ponto de corte no concurso do Estado. Na verdade eu poderia estar muuuuito triste, mas estou só triste. Qual é a novidade no fato de eu fazer um concurso e não conseguir passar? Por acaso é a primeira vez que isso acontece na minha vida? Não, e esse Veleiro sabe disso. Claro que eu queria ter pelo menos livrado o ponto de corte - porque de certa forma isso faz vergonha - mas não muda o conceito que tenho sobre mim mesma. Eu teria mais capacidade de ser médica se não tivesse trocado a resposta de 4 questões (as quais tinha acertado e errei porque mudei)? Teria livrado o ponto de corte, mas acertar 27 soaria tão medíocre quanto as 23 que acertei. Fim de papo.

Era para eu estar muuuito triste, porque nenhum dos meus amigos levou ponto de corte, todos estão concorrendo a uma vaga, nem que seja daqui a 2 anos, enquanto eu não tenho direito nem de sonhar. Porque quero ser pediatra e essa prova só vem comprovar que eu não sei nada de clínica, nada de cirurgia e - agora - nada de pediatria também. Que eu estou me formando em medicina mas não sei nada. Talvez para quem esteja de fora o simples fato de estar se formando já signifique muita coisa, mas quando você lida diariamente com outros estudantes que conseguem responder às perguntas dos preceptores nas visitas, não se embananam dentro do bloco cirúrgico e ao menos livram o ponto de corte nos concursos é possível ter bem claro que só terminar o curso NÃO QUER DIZER que você seja médico. E todo dia eu olho para mim mesma e pergunto: "Como é que eu consegui chegar até aqui e não sei isso?".

Assim, levei ponto de corte, mas isso não chega a ser uma decepção. Ao contrário, se eu passasse é que seria uma surpresa. Levar ponto de corte significa que eu sou uma formanda medíocre? Tá, e qual é a novidade? É exatamente isso que eu vejo em mim todos os dias, que eu vi durante o mês inteiro que passei com Bacelar no IMIP, cada vez que ele perguntava o óbvio e da minha boca não saía nada que se aproveitasse, ou que vi na última sexta-feira, no bloco cirúrgico, quando eu não lembrava mais como se fazia uma sutura simples. Se quase todas as palavras em medicina me soam "familiares" mas poucas têm um "significado", no meu penúltimo rodízio, faltando 19 semanas para o fim do curso, o que mais se podia esperar do que levar ponto de corte?

Não dói tanto levar ponto de corte: dói muito mais ter consciência de que eu não sei. Tinha staff do IMIP fazendo prova na minha sala: eles têm muito mais direito de passar do que eu, certamente vão atender melhor as criancinhas, são pediatras de verdade, com residência, com experiência. Se eu fosse uma boa doutoranda, uma doutoranda da qual os preceptores lembrassem e falassem bem (como falam de alguns que já passaram por eles), aí tudo bem, sempre vai haver concurso e, mesmo que não haja, nunca vai faltar emprego para pediatra nesse Brasil. Eu podia sonhar com a residência e ficar com a consciência tranquila. Mas eu sei que não sou uma boa doutoranda, sei porque lia isso nos olhos de Bacelar (Bacelar era meu preceptor no IMIP, excelente, inteligentíssimo e gente da melhor qualidade), e vou ficando pra trás porque para ser médico é preciso tem competência. E sinceramente, é seleção natural, as girafas de pescoço curto, mais cedo ou mais tarde, acabam morrendo de fome...

Chega.

"Os ancestrais das girafas, de acordo com o documentário fóssil, tinham pescoço significamente mais curtos. O comprimento do pescoço variava entre os indivíduos das populações ancestrais de girafas. Essa variação era de natureza hereditária. Indivíduos com pescoço mais longos alcançavam o alimento dos ramos mais altos das árvores. Por isso, tinham mais chance de sobreviver e deixar descendentes. A seleção natural, privilegiando os indivíduos de pescoço mais comprido durante milhares de gerações, é responsável pelo pescoço longo das girafas atuais."

(http://www.webciencia.com/14_girafa)

Um comentário:

Unknown disse...

Legal seu blog... Tb sou medico e passei agora pra anestesio !! continue sua luta... nao olhe pro q os outros dizem... escute seu coraçao.. Felicidades...